quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Um dia no metropolitano

Quando te vi no metro,
aqui sentado,
meu coração estremeceu

Calado fiquei,
minha mente viajou,
meu instinto desencolheu

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pablo Neruda sobre Hitler

Cuál es el trabajo forzadode Hitler en el infierno?
Pinta paredes o cadáveres?gás de sus muertos?

Le dan a comer las cenizasde tantos niños calcinados?
O le han dado desde su muertede beber sangre en un embudo?

O le martillan en la bocalos arrancados dientes de oro?
O le acuestan para dormirsobre sus alambres de púas?

O le están tatuando la pielpara lámparas del infierno?
O lo muerden sin compasiónlos negros mastines del fuego?

O debe de noche y de díaviajar sin tregua con sus presos
O debe morir sin morireternamente bajo el gas?


Qual é o trabalho forçadode Adolf Hitler no inferno?
Pinta paredes? Cadáveres?Fareja o gás de suas vítimas?

Terá que ingerir as cinzasdos meninos calcinados?
Ou desde sua morte há debeber sangue num funil?

Ou lhe martelam na bocaos dentes de ouro arrancados?
Ou sobre arames farpadoslhe concederão dormir?

Vão ver sua pele tatuadanos abajures de adorno?
Ou negros mastins de fogodele se incumbem no inferno?

Deve de noite e de diasem trégua andar com seus presos?
Ou morrerá pouco a poucosob o mesmo gás eterno?

Pablo Neruda - livro das perguntas

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

De um banco de trem


Automamente você acorda
Somente porque tem que trabalhar
Higieniza-se, alimenta-se
Quando percebe, está já a caminhar

É este o tempo que possui
Para sobre seus problemas pensar
Nem recorda por onde passa
Como se nada mais valesse a pena notar

A condução te espera em algum lugar
Ou melhor, na maioria das vezes, és tu
Um ônibus ou trem lotado
Logo cedo já sentes foderem teu cú!

Quantos rostos desconhecidos
Milhares de corpos oprimidos
Acordam, alimentam-se (?) e caminham
E estão também sendo dirigidos

Todos acreditam na utopia Felicidade
Todavia ninguém ainda a viveu
Corpos que se movem pela cidade
Milhões como você e como eu

Não, não temos valor algum.
Somos inteiramente descartáveis
Caso não aceitamos o jogo,
Não abrindo mão da nossa dignidade

A maior parte do tempo, ao trabalho
Tu vives, nós vivemos assim.
Condenados, em campos de concentração
Que não enxergamos
Esperando, apenas, o advento do fim.








segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Trecho de um conto ainda sem título

Trecho de um conto que escrevi já faz um tempo, mas que estou digitando e revisando.

...

Eu já sabia onde ela morava, onde eles moravam, algumas vezes já tinha visto, passando pela rua, um dos dois entrar por aquele portão de cerca de 1 metro de largura que levava para uma escada que dá acesso aos andares superiores da casa. Provavelmente pagavam aluguel. Ficamos parados por cerca de um minuto, sem dizer nada, com as respectivas sacolas plásticas entre os dedos.

            - Qualquer dia preciso visitá-los... Finalmente, disse eu

            - Quer tomar um café? – Perguntou Cíntia, por educação.

            - Eu aceito – respondi de prontidão, de forma inesperada.

            Cíntia me olhou, meio sem jeito. Observei com prazer seus movimentos. Estava seu corpo sob um vestido florido, com detalhes amarelos, meio retro. Sua pele brilhava com o calor daquele dia. A boca delicada sentia sede e se entreabria. Seus braços descobertos revelavam uma pele macia, lisa, que convidava o mais devoto dos cristãos aos mais sórdidos pecados.

            Estendi as mãos para segurar as sacolas de Cíntia, para que ela pudesse, dessa forma, abrir o portão com mais facilidade. Sua inclinada atraiu naturalmente meu olhar à sua bunda. O vestido fazia um belo desenho em seu traseiro, finalmente subimos em um corredor estreito e cinza.

            Chegamos a sua porta. Adentrando, a sala cheirava a alvejante. Estava tudo muito limpo e organizado. Acomodei-me no maior sofá. Havia mais uma poltrona. Ela se dirigiu à cozinha, da qual eu podia ver apenas um armário branco. Decidi segui-la, propus que bebêssemos vinho ao invés do café. Ela recusou, argumentou que não bebia.

            - Mas vinho... até Jesus bebia...

            - Isso é verdade, mas...

            -  Vamos, o vinho é sagrado não apenas por simbolizar o sangue de “cristo”, mas por desinibir as pessoas, por estimular o prazer.

            - Tá bom, mas só uma taça, você sempre me convence – e riu, de uma forma meio bizarra.

            Eu ri também, para entrarmos no mesmo clima.

            Voltei para o sofá onde, com um pouco de esforço, abri a garrafa com as mãos. Enchi, estava gelado o vinho, Cíntia começou a beber e a falar de sua vida, de suas frustrações, de repente se entregou a chorar como se estivesse diante de um grande e único amigo.

            - Calma Cíntia, não chore... Você é uma mulher linda, inteligente, já te admirava desde a escola, eu e a maioria dos caras! Hoje se tornou uma mulher maravilhosa (dei ênfase no “maravilhosa”)... Então me aproximei daquele corpo que exalava um odor natural e encantador. Abracei-a e ela se acomodou em meu corpo, sussurrando um “mas...” e voltando a chorar.

            Passei então a acariciar os seus cabelos, enxuguei seu rosto molhado com um lenço. Cíntia engolia as lágrimas e se acalmava paulatinamente. Segurei-a pelos ombros, olhei no fundo dos seus olhos castanhos e beijei sua boca.  Cíntia correspondeu e beijou-me loucamente, seu hálito  voluptuoso e suas habilidosas mãos excitavam-me demasiadamente.  Sentíamos um do outro o sabor do vinho, já meio embriagados. Beijei sua orelha, desci ao pescoço, ela se contorcia... 



Salvador Dali. Nua na Água. 1925

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Uma guria

O sonho de uma Guria - 02-12-2006

Ela  não pensa mais agora.
Adormeceu sob a água.
Que cai sobre o seu corpo
Quente, entre o vapor.

Assimilada e dissidente
Sua Imaginação floresce
a temperatura sobe sem conforto
O sono amortece sua dor

Sua mente se aquece.
Os problemas, a garota esquece
Formiga a sua pele.
Recria um dia de sol, que sentira o calor
O calor dele, por sua mão úmida e tensa.

A água ousada escorrega sobre ela.
Que sentara-se no chão sem perceber
Daquele banheiro que vira seus segredos
No espaço onde sente-se mais à vontade.

Ali ninguém ouve seu canto.
Ninguém vê seu choro, 
Nem censura os mais íntimos gestos
Diante de uma sólida testemunha, o espelho

Desperta, assustada!
Em sua face molhada
Desce uma lágrima salgada
Ao se recordar do mais recente sonho

Um poema meio antigo, mas é um dos menos piores que fiz e dos que mais gosto!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ÉPOCA MODERNA E O HOMO ANATURAE

Na modernidade a “humanidade” se desliga ainda mais da natureza. Nas ideologias dominantes isso é claro. A concepção de homem é totalmente anatural: homem é uma coisa, natureza é outra. Pode-se observar o homo anaturae na história do pensamento ocidental (Descartes, Smith, Marx, etc) e no dia-a-dia do homem urbano. Nas cidades somos máquinas, autômatos, peças, ferramentas, braços ordenados, disciplinados, controlados. Desde o advento do capitalismo, onde é predominante relações sociais, mentais e econômicas sistematizadas pelo mesmo, os espaços são cada vez mais cinzas como o aço e o concreto -  locais onde as pessoas circulam sem o contato direto com a terra, com a água límpida, com o ar puro. Esses espaços são altamente racionalizados para a produção, assim como suas instituições.
Há duas instituições essenciais (para o sistema) para controlar @s desviad@s (que são muitos, considerad@s e tratad@s como escória, lixo): a cadeia e o hospício. São muit@s os desviad@s pois a grande maioria da população vive em condição de miséria e escravidão não declarada, ou não-oficial. Mesmo a pseudo classe intermediária, ou a “classe-média”, perece de fome e exposição aos mais variados males da urbe (falta de proteção ao calor e ao frio, fome. drogas, alcoolismo, etc) se recusar a entrar na dança do capital – vender-se, alugar-se – em troca de dinheiro  - o papel símbolo, a marca que cada um carrega e identifica o portador como alguém subordinado à tal mundo cuja quantidade limita ou abre as barreiras sociais.
É claro que  nenhum (a) desviad@  procura por sua própria vontade essas instituições. Eles são capturados e forçados a permanecerem nessas lixeiras de homens e mulheres viv@s. E para tanto a população é vigiada intensivamente, controlada e humilhada por meio da força. A polícia e as forças armadas são os detentores do monopólio da violência legalizada. Toda essa força é voltada para proteger esse mundo e às pessoas que se beneficiam dele, o que para facilitar posso chamar de “classe dominante”.
O lema do Estado totalitário é “Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força” (Orwell - 1984). A grande sacada de George foi arrancar essa obra das entranhas do mundo moderno e jogar num tempo futuro – um tapa na cara de todos para pensar o presente e o passado, ou fugir dessa concepção etapista da vida e da história.
A natureza está aparte, ela existe para ser explorada. Floresta para se transformar em madeiras e pastos. Minas para serem esgotadas. Rios para serem poluídos. Animais para serem aprisionados e consumidos. É assim o Homo Anaturae. É o homem que nega fazer parte da natureza, que se fecha em um regime exclusivo de existência, em um individualismo barato onde se torna o centro do universo.
Homo Anaturae NEGA ser um ANIMAL (Nietzsche), sobretudo. Ou melhor, considera-se um animal racional cientificamente, mas mesmo assim se desliga de todos os outros animais e ainda mais dos “reinos” vegetal e mineral. Ele nega seus instintos, seus desejos, suas vontades. É proibido ficar nu no calor, é uma tremenda falta de educação peidar e arrotar (mesmo podendo levar ao rompimento dos divertículos intestinais, causando uma peritonite onde há chance de morte), sexo e sexualidade são tabus (E aí já dava outro texto, como já existem vários, enorme por sinal).
Esse homem é higienizado porque a superfície não absorve suas “impurezas” e provoca doenças, atrai monstrengos urbanos (ratos, baratas, etc) que pode ser prejudicial a sua saúde e a produção capitalista. Por isso ele caga sentadinho em um privada, toma banho de chuveiro elétrico, despeja sua libido em prostíbulos ou em masturbação excessiva sobre material pornográfico (que muitas vezes controla e uniformiza a sexualidade, ao invés de libertá-la das algemas morais). Esse homem é infeliz, iludido. Ele é assim por negar tudo o que ele é pois foi educado a ter uma concepção sobre si mesmo de ser - autômato. 

                                                     
James Rosenquist - 4-1949 Guys (1969)